FOTO: Vanessa Dantas
Foi do sofá que ela avistou o abajur dos Beatles, lembrou dele resmungando e começou a gargalhar. Na verdade, começou somente a gargalhar, porque lembrando dele já estava, quase o dia todo, todos os dias, desde o último abraço. No fundo ela queria ele ali, esparramados naquele sofá, tão cúmplice deles dois. Preferia contemplar as cores saturadas do filme do Kar-Wai no aconchego do corpo dele. Por instantes, se sentiu a torta de blueberry, do mesmo Kar-Wai, e viu vantagem nisso.
Alguns anos com medo de encarar aquele filme pela segunda vez, fez com que o DVD comprado permanecesse intacto. E agora estava ali, na TV aberta, compreendendo que nem sempre há explicação para todas as coisas, que há perdas que pedem luto, mas que é possível amar intensamente mais de uma vez.
Poderia passar a vida cortando tomates, se fosse para tê-lo em sua cozinha, proseando, confidenciando, cantando Nelson Gonçalves e enchendo a sua taça. Da cozinha pra sala. Da mesa pro sofá. O mesmo sofá. O cúmplice. Das lágrimas e dos devaneios. E ponto.
O desejo era urgente, mas o zelo era maior. E assim, a cada encontro, adiavam o quarto. Porque sabiam que não teria volta. Do quarto pra cama. Da cama pra vida.
5 comentários:
Ai..ai...acho que tem gente apaixonada...
"...não teria volta. Do quarto pra cama. Da cama pra vida."
UAU! Que coisa mais linda esse texto! Envolvente até o ponto!
(sei que pode parecer uma citação brega, mas lembrei da voz apaixonada daquela cantora, a Jane Duboc, direto dos meus vinis)
Beijão Vanessa!!!
Oi Adorei o texto, gostaria que conhecesse o meu blog de textos, agradeço desde já a visita, obrigado.
A Vanessa Dantas é do tipo que chega como não quer nada e nos envolve com suas narrativas doces, maduras e instigantes.
O trecho final ("E assim, a cada encontro, adiavam o quarto. Porque sabiam que não teria volta. Do quarto pra cama. Da cama pra vida") finaliza como uma assinatura de uma poetisa que - ousadamente me permito fazer essa comparação - lembra meu escritor favorito: Caio Fernando Abreu.
Vanessa, continue assim, envolvente, talentosa e com esse olhar apaixonante!
Eu AMEI esse texto...
Kar Wai. Cores saturadas, cortes secos, closes bem feitos. O último parágrafo é mágico. Perfeito. Deu inveja de não ter escrito. Vi cada segundo desse texto como um filme, senti cada espaço entre palavras como se tivesse lá. O texto, mesmo sem precisar ser longo, é interminavelmente sensacional. Verdade humana fica resfolegando no final. Delicioso.
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