quarta-feira, 22 de junho de 2011

AS COISAS MUDAM, SABEMOS

Foto: Encontro com Iemanjá, Vanessa Dantas

Foi lavando o cabelo, logo pela manhã, que ela se lembrou da primeira vez que ele foi a casa dela. Ele queria conhecer o banheiro, o cenário onde ela tomava banho. 


Ela sorriu. 


É fato que as coisas tinham mudado, mas era verdade também que ali, naquela casa, algumas coisas permaneciam iguais. O Black Label ainda estava lá, do jeitinho que ele deixou, esperando a quantidade certa de gelo, no copo preferido dele. Espumante para ele não era uma boa pedida, da última vez, quase erraram o ponto. Ela bem que preferia culpar a tempestade. Sim, os encontros deles, em sua maioria, foram marcados por grandes dilúvios. “Um presente”, ela dizia, já que adorava banhos de chuva! Era difícil romper aquelas conversas infindáveis no sofá, ele nunca tinha vontade de ir embora. E ela achava graça quando ele falava que queria ser seu escravo. Dizia que largaria tudo para ficar ali, cuidando dela. Prepararia o café da manhã e a esperaria para o jantar, daria banho e a colocaria para dormir. Ele se emocionou quando ela respondeu que sim, que seria capaz de tê-lo como pai do seu filho. Ele chorou, algumas vezes, perto e longe dela. Ela sorriu quando se lembrou dele ligando do telefone do boteco. Mais ainda quando ele saiu de pijama e foi para a praia porque simplesmente não conseguia dormir sem ligar para ela. Acordava e dormia pensando, o dia todo, todo o dia. Ele queria levá-la para viajar, queria que ela conhecesse as praias “dele”, e então ficavam pensando no dia em que pegariam estrada juntos. Ela jamais vai esquecer o encontro deles com Iemanjá. Das flores, do silêncio, do mar prateado ao amanhecer, da prece, dos sonhos, da cumplicidade, das lágrimas... E claro, dele limpando o pé dela de areia. “O moço que adora pés”, disso também ela não vai esquecer. Mesmo dorminhoca, não se incomodava com a mania dele de acordá-la cedo. O toque do celular virava sinfonia. Todo tempo junto parecia pouco. E a vontade de estar junto, de grudar, só aumentava. MSN, Skype, DM. Nem a alta conta do celular tirava o humor dela. Ela cozinhava para ele e ele para ela. Eram bons de fogão, copo e garfo. Boa comida, boa bebida, bom papo e colo. Era tudo o que precisavam. Entre a cozinha e o sofá foram muitas as confidências. E ficavam ali, naquela bolha, sem noção do tempo, completamente distantes do mundo lá fora. Ele até chegou a reproduzir, longe dela, e mais de uma vez, um dos pratos que ela cozinhou para ele. Dizia que era uma forma de tê-la por perto. Na casa dela, eles ouviam João Gilberto, Cartola, Chico, mais e mais. Certa vez, ela até arriscou a tirá-lo para dançar Nelson Gonçalves. E eles riram. No carro dele, ele apresentava e cantava para ela seus versos preferidos. O porteiro não entendia porque ela vivia perguntando se "a encomenda" já tinha chegado, e os e-mails, verdadeiros poemas, que tanto a inspiravam, estavam todos ali, seguramente guardados, para todo o sempre.

Mas as coisas tinham mudado, eles sabiam. Sabiam também que as coisas do coração não são explicáveis. E entre a perda e o alívio, ela se sentia bem. E assim terminou o longo banho, se enxugou na toalha laranja, e sorriu.