domingo, 23 de maio de 2010

DOMINGÃO

Foto: Vanessa Dantas


Combinado. Ele vai tomar café na rua, comprar os jornais e as delicinhas para o almo-janta, enquanto curto mais um pouco de preguiça no edredom. Logo mais levanto e vou até a casa dele. A idéia do domingo é essa: enquanto dou uma geral nos classificados dos jornalecos procurando apê para comprar ou alugar, bebemos umas taças de pinot noir e ele cozinha pra nós. Está frio, pedi uma comida quente. Cassoulet, quem sabe?! Levarei foie gras, made in France, presente da amiga, bailarina internacional.

Os amigos perguntam: vocês são ou não um casal? Nós respondemos: somos tão evoluídos que já passamos disso. E assim seguimos como um velho casal. Ou seria um casal de velhos?

Quando saio com ele, me sinto num filme do Woody Allen. Ele é o gênio e eu a bonitinha que não sabe nada. Ele discorda, acha que eu sei um monte. Temos quase a mesma idade, mas seu repertório é infinitamente maior que o meu. Erudito, sabe tudo de música clássica e literatura. Vive me alimentando com livros e CDs. Quase sempre, concordamos no cinema. E graças a ele, tenho acesso aos bastidores da política e do governo. Adoro.

Se ele está longe, não morro de saudade, mas quando está perto, prefiro ficar junto. Não em todos os momentos. Nos damos bem, muito bem, mas também discordamos um bocado. Eu sou chata, mas acho que ele é mais. Ele resmunga, dá bronca, acha que estou levando a vida a sério demais. Já cheguei a chorar, agora faço cara de tédio. Nossos garçons dão risada da gente.

Não falo com quem fico ou deixo de ficar, ele é ciumento. Quando, raramente, pesca algo no ar, quer saber. Desconverso. Também não tenho interesse de saber da vida sexual e sentimental dele. Não faz diferença.

Não é romance. É mais.
*
Vanguarda? Ensaio? Relação pós-moderna? Bobagem. É simples. Somos amigos, companheiros, transparentes e ponto.

Confesso: se eu não fosse míope, casava com ele.