sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

UM BEIJO ROUBADO

FOTO: Vanessa Dantas

Foi do sofá que ela avistou o abajur dos Beatles, lembrou dele resmungando e começou a gargalhar. Na verdade, começou somente a gargalhar, porque lembrando dele já estava, quase o dia todo, todos os dias, desde o último abraço. No fundo ela queria ele ali, esparramados naquele sofá, tão cúmplice deles dois. Preferia contemplar as cores saturadas do filme do Kar-Wai no aconchego do corpo dele. Por instantes, se sentiu a torta de blueberry, do mesmo Kar-Wai, e viu vantagem nisso.

Alguns anos com medo de encarar aquele filme pela segunda vez, fez com que o DVD comprado permanecesse intacto. E agora estava ali, na TV aberta, compreendendo que nem sempre há explicação para todas as coisas, que há perdas que pedem luto, mas que é possível amar intensamente mais de uma vez.

Poderia passar a vida cortando tomates, se fosse para tê-lo em sua cozinha, proseando, confidenciando, cantando Nelson Gonçalves e enchendo a sua taça. Da cozinha pra sala. Da mesa pro sofá. O mesmo sofá. O cúmplice. Das lágrimas e dos devaneios. E ponto.

O desejo era urgente, mas o zelo era maior. E assim, a cada encontro, adiavam o quarto. Porque sabiam que não teria volta. Do quarto pra cama. Da cama pra vida.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

UMA CARTA DE AMOR

Foto: Vanessa Dantas, 2010.


Uma carta de amor. Foi assim que ela recebeu a mensagem daquela manhã. Não, não foi escrita à mão, não estava envelopada, e também não chegou pelo correio. Mesmo assim, era uma carta de amor. Que carregava o cheiro dele. O desejo, a sede e a fome. Explícita. Despida, impulsiva, urgente. Uma carta de amor. Daquela que toca, que abraça, que aperta, que molha, que salga. E depois adoça. Que confessa, que escancara e que sonha. Uma carta de amor. Que não aceita demora na resposta. Porque precisa dela. E pede. A mão dada. O olhar, o sorriso, o colo e o cafuné. Que rememora o silêncio, o pé na areia, as marcas do corpo e o banho de mar. Uma carta de amor. Que não pode esperar. Para agradecer e pedir perdão, mesmo sem precisar. Uma carta de amor. Que entrega, que presenteia. Que respeita e zela porque quer preservar. Uma carta de amor. Que alimenta, acende e dá vida a quem já tinha desistido de voltar a amar.