Pensei, pensei... e finalmente resolvi postar o tal discurso. Aí está, não inteiro, mas a maior parte dele!
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Autoridades presentes, caros colegas professores, prezados pais, familiares, meus queridos afilhados:
Queria iniciar dizendo que não vou discursar, e sim propor uma rápida conversa afetuosa.
[...]
Eu me lembro, quando criança, na casa da minha tia Irene, eu sentava na cozinha para vê-la preparar os alimentos. E ali eu ficava por horas, me deleitando com os cheiros, cores e sabores. Observava a sua habilidade, a escolha dos ingredientes, sua organização e acima de tudo, a criatividade... Tia Irene não era de seguir receitas, mas de criá-las. Seu bolo de mandioca com coco, para mim, até hoje é insubstituível. Lembro-me que era preciso um dia inteiro para fazê-lo. Era necessário descascar toda a mandioca, cortá-la em pequenos pedaços, colocá-la no liquidificador já que naquele tempo não tinham os processadores de hoje, e ter força nos braços para torcer os bagaços num lençol e assim coar todo o suco. O coco era ralado na colher! Eu o chamava de “bolo difícil”. Tia Irene, por muitas vezes, ao fazer o “bolo difícil” guardava um pedaço pra mim. Mas a melhor parte disso tudo é que em meio aos seus afazeres, ela me deixava participar. Até hoje ela adora falar das minhas mãozinhas de criança temperando o frango. O fato é que aquilo tudo me instigou a vontade de aprender a cozinhar, e então eu tratei de aprender. Porque eu queria cozinhar como a tia Irene. Quando se quer uma coisa, quando se tem vontade, se aprende. A gente aprende quando a gente quer, quando faz sentido.
O professor Luis Octávio de Lima Camargo, precursor do nosso curso, e por quem temos um apreço especial, fez parte da minha banca de mestrado. Logo no início de sua fala, ele citou uma expressão que aprendeu com um colega mais velho, um francês radicado no Brasil, que estava fazendo a primeira orientação de uma aluna num programa de mestrado. Na verdade, o professor Luis Octavio estava passando no momento da orientação e num instinto voyer, ouviu o colega dizer a sua orientanda: você não vai ter que inventar nada, você vai ter que extrair o que está dentro de você. E assim, ele passou a repetir esta expressão aos seus orientandos também.
Nesse último sábado fiz uma visita técnica com os alunos do 5º período do Curso de Turismo para um município da região. Na volta, estávamos na van, quando uma das alunas pegou um livro, pois precisava ler um dos capítulos para a aula de segunda-feira. Eram textos que tratavam das correntes filosóficas: do positivismo, do marxismo... Peguei o livro e propus uma leitura coletiva, de modo a aproveitar o tempo de estrada para cumprir a leitura solicitada pelo outro professor. No fundo, eu não estava preocupada se eles saberão para sempre todas as correntes filosóficas associadas aos diferentes pensadores e escolas, mas o que eu queria que ficasse na lembrança deles, era o momento da leitura coletiva, na volta de uma visita técnica, em pleno sábado à tarde, dentro de uma van. E ainda que não tenhamos terminado a leitura por estarmos exaustos, na verdade, o que menos importava ali era o conteúdo ou o pouco que conseguimos caminhar devido o cansaço. Poderíamos ter estudado a reforma ortográfica, discutido a crise mundial, lido artigo sobre as anomalias genéticas, qualquer momento da história do Brasil ou do mundo... No fundo o que eu queria dizer era: devemos aproveitar esse gostoso momento juntos, no mais, fiquem tranqüilos porque um mês depois, seja lá qual for o conteúdo, vocês terão esquecido a maior parte. E terão esquecido porque a memória é seletiva. Ela tem como objetivo se livrar do inútil para reter o útil, ou o gostoso, tanto faz. A memória é exatamente assim: você despeja aquela coisarada toda e ela esquece, deixa passar o que não é útil, o que não é gostoso. Por isso, o esquecimento não é prova de defeito. Certa vez, numa palestra, Rubem Alves disse que as pessoas completamente débeis mentais têm uma memória perfeita, guardam lista telefônica na cabeça. Então, memória boa não é prova de inteligência, é prova de uma perturbação mental grave. E ele ainda reforçou dizendo: fujam das pessoas que guardam todas as coisas na memória! Aliás, da academia para o cinema, a bela Ingrid Bergman, do clássico Casablanca já dizia que a felicidade consiste em ter boa saúde e má memória!
Assim, considerando o todo, o que foi esquecido e o que ficou, posso dizer que nossos momentos foram mesmo diferenciados, e muito especiais, de aprendizado, e fundamentalmente de amizade. Não é comum ver tantos alunos com os Trabalhos de Conclusão de Curso já prontos, se propondo a entrar madrugada adentro com o intuito de ajudar outros colegas com os seus TCCS. Além das tantas histórias vividas fora da universidade e ricamente compartilhadas em sala de aula. Não me esquecerei dos nossos encontros semanais, do carinho de vocês, e dos sentimentos que este relacionamento despertou em mim.
Sei que como paraninfa, deveria falar desse momento de transição dos estudos para o trabalho, ou da maturidade adquirida ao longo desses anos todos, mas gostaria apenas de convidá-los a manter sempre o desejo de aprender. Arrisco a dizer: aprendam algo simplesmente porque é belo. Convido-os a deixar se encantar pelo outro. Claro que quero vocês empreendedores, criativos, ousados, determinados e ricos (muito ricos sem que esqueçam de mim!), mas também sensatos, éticos e acima de tudo responsáveis e amáveis com o meio ambiente e a sociedade. Que a sabedoria de usar a memória seletiva, os ajude a ignorar não só o que não nos leva a nada, mas manter a ignorância de desejar saber para onde vamos. A partir de agora e mais fortemente na ressaca pós-baile de formatura, vocês se lembrarão daquele frio na barriga que eu tanto falo que sentirão ao ver o horizonte, o que está por vir.
A vida não é fácil. Mas nem por isto ela deixa de ser bela.
E ainda que essa conversa da noite de hoje tenha sido essencialmente romântica, lembro-me de uma frase saída da boca do nosso querido coordenador “o romantismo só está disponível para quem pode ler”. É fato! Não sei se eu conseguiria fazer diferente. Mas me conforto com a certeza de que vocês sabem muito bem do que estou falando! Assim, da minha parte, vocês podem ter certeza que o meu coração e os meus braços estarão sempre abertos.
Boa sorte a todos! E obrigada!
3 comentários:
Lindo, lindo, lindo!
Se sua aluna eu fosse, chorando pencas eu estaria!;)
Inspirador esse discurso, e o final ainda me animou para começar meu trabalho sobre Literatura Inglesa do Século XIX...
Beijos e saudades disparatadas
Lindo, lindo, lindo, lindo, lindo....
estou arrepiada! kkk
...
Ah! Mas me diz uma coisa, no bolo da Tia Irene levava frango??? rs
brincadeirinha... deu pra entender, sim!
beijossssssss
Que ótimo Melzinha, ao menos te inspirou... Saudadona também!
Michas, palhaçona! As receitas eram muitas, diversas... ;o)
Beijão pras duas.
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