segunda-feira, 1 de junho de 2009

DA ESBÓRNIA A MORRELÂNDIA

Enquanto ela zapeava todos os programas de futebol do domingo, ele dormia ao lado dela. Entre um canal e outro, olhando pra ele, decidiu que contaria aquelas pintas que decoravam seu corpo, incrivelmente mais branco que o dela. Contaria por partes, uma parte por noite, todas as noites, longe daqueles pequeninos olhos azuis acordados para não fazê-la perder a concentração. Como ele pode querer convencê-la que Law and Order é remédio para insônia? Deve ser porque ele aprendeu a tocar bandolim antes do cavaquinho. E também toca sax, mas resolveu que agora só quer saber de samba. Ela gargalha quando lembra dele sambando nu e fazendo graça. E olhando para aquela imensa estante de livros se dá conta de que gosta dali. Quer ler um tanto daquilo, ouvir outro tanto dos CDs, além dos filmes do Bergman que ele já avisou que se ela quiser, vai ter que assistir sozinha. E ela quer. Porque quer entender um pouco mais dele. Assim como ver fotos antigas pra conhecer a cabeleira comprida que já não existe mais. Bem que o cabeleireiro dele tem razão quando diz que aqueles fios prateados realmente são charmosos, mas o cavanhaque poderia virar barba pra roçar melhor as coxas dela nas noites de embriaguez. Sim, naquelas que ela dá banho nele. Que ele reclama, e gosta. Chatonildo adorável, é isso o que ele é. Minimalista. Simples. E ela gosta disso. Quer aprender uma porção de coisas com ele. Só não quer cebola na pizza, mas até isso ele faz – com toda a paciência do mundo, separa a cebola para ela poder comer. Mima, cuida. E ela reconhece, e agradece. E ele ri das meias dela só porque são coloridas. Mas como pode dizer que tem insônia, se nem bem deita e começa a roncar? Sim! Eles concordam que a Esbórnia faz fronteira com nada e com tudo ao mesmo tempo, e a Morrelândia é um país habitado pelas mulheres mais frias do mundo. Também não discordam no futebol. Ela até já foi com ele no estádio ver o time dele jogar, embora ele ainda não tenha feito o mesmo pelo time dela. Que agora é dele também. A tônica diet já entrou na lista do mercado da casa dela, mas a pasta de dente dele continua salgada, com gosto de tempero. Ela achou divertido ir ao boteco usando as roupas dele. O chinelo ficou um pouco grande, mas com o gol do Ronaldo, ninguém nem reparou. Eles combinam na política e na mesa do bar. Os sonhos se confundem e comem baião-de-dois depois da meia-noite. É tarde, ela sabe. E então resolve dormir. Desliga a TV, se enrosca nele. Quem sabe com sorte, ganha um repeteco daquela manhã de segunda-feira que acordou com ele distribuindo beijinhos por todo o corpo dela? Ah! Ela adora as segundas-feiras!

*março, 2009.

6 comentários:

Eli Carlos Vieira disse...

Bem brasileiro!
E que a contagem de sinais permaneça por mais dias!
Com um finzinho de semana assim e o começo de outra também assim, dessa forma, tudo indica que o restante dos dias serão pelo menos tranquilos, com alguns suspiros soltos e involuntários!

"E ela me faz tão bem. Ela me faz tão bem. Que eu também quero fazer isso por ela."

Rodrigo disse...

Que mulher é essa que lê seu homem nas entrelinhas..... Que sorte a dele!!!! Ainda por cima gosta de futebol.... Tirar a cebola da pizza é o mínimo que ele pode fazer por ela. Beijoca.

edu rodrigues disse...

... e essa sua capacidade capitular e inédita de me deixar sem palavras...

Gabriela disse...

Law and Order é ótimo para insônia e segunda-feira boa só mesmo começando assim. Adorei esse texto Vanessa!!!!!

Vanessa Dantas disse...

Adorei o "bem brasileiro", Eli!

Tirar a cebola é tudo, Rô!

"capacidade capitular" foi lindo, Edu! No mais, fico lisonjeada em deixar "o escritor" sem palavras...

Todas as segundas-feiras deveriam começar assim, Gabriela! E não haveria mais guerra!


Beijo pros quatro.

Unknown disse...

Sensacional Vã, adorei!!! Bjk