Se não fosse a fala mansa, o beijo quente e o par de olhos azuis no decote dela, certeza que ela o teria evitado.
Teria nada. Desde a primeira vez que ela o ouviu, sentiu vontade de prová-lo. Tanto tempo depois, aquela altura, já o imaginava no sofá, na parede, na cama, no chuveiro, na vida dela. Por pouco tempo, é verdade, porque as relações são perecíveis e a deles já começava assim, datada. Acontece que, de tão molhada, o prazo de validade ficou ilegível e ela se perdeu, sem saber a hora de acabar. Lamentava a falta de um manual com dicas sobre a hora de romper. Romper no momento certo, uma arte, que poucas vezes dominara. E seguia assim, entregue.
O primeiro encontro foi de expectativa, curiosidade, excitação. Saíram pra jantar e, na volta, com a desculpa de um drink saideira, ela bebeu ele. E se embriagou. Acordou de ressaca, mas daquela que só passa com mais uma dose. Repetiram, de imediato, com sede de anteontem. E seguiam assim, entregues.
Não faziam planos, maiores combinações, não existia hora certa. Ele podia acordá-la, tal qual uma gata de armazém, em uma manhã de terça-feira, ou aparecer de bermuda e chinelo, em uma sexta, pra ver o pôr do sol da cama dela.
Ela se sentia mais linda ao lado dele. E ele mais jovem ao lado dela. A cruz nas costas, os cochilos suados, a cumplicidade criada, o ciúme discreto, a saudade apertada. Imprevisível, "gostosudo", arrebatador. Romance com gosto. De bomba de chocolate.
(dos escritos perdidos, de um dos meus caderninhos)