FOTO: Vanessa Dantas
Foi do sofá que ela avistou o abajur dos Beatles, lembrou dele resmungando e começou a gargalhar. Na verdade, começou somente a gargalhar, porque lembrando dele já estava, quase o dia todo, todos os dias, desde o último abraço. No fundo ela queria ele ali, esparramados naquele sofá, tão cúmplice deles dois. Preferia contemplar as cores saturadas do filme do Kar-Wai no aconchego do corpo dele. Por instantes, se sentiu a torta de blueberry, do mesmo Kar-Wai, e viu vantagem nisso.
Alguns anos com medo de encarar aquele filme pela segunda vez, fez com que o DVD comprado permanecesse intacto. E agora estava ali, na TV aberta, compreendendo que nem sempre há explicação para todas as coisas, que há perdas que pedem luto, mas que é possível amar intensamente mais de uma vez.
Poderia passar a vida cortando tomates, se fosse para tê-lo em sua cozinha, proseando, confidenciando, cantando Nelson Gonçalves e enchendo a sua taça. Da cozinha pra sala. Da mesa pro sofá. O mesmo sofá. O cúmplice. Das lágrimas e dos devaneios. E ponto.
O desejo era urgente, mas o zelo era maior. E assim, a cada encontro, adiavam o quarto. Porque sabiam que não teria volta. Do quarto pra cama. Da cama pra vida.